Nunca Morda um Chocolate

Ontem faleceu o Professor Enio Cardillo Vieira, um dos meus principais Mestres dentro e fora da Medicina. Nutrólogo, aos 89 anos, seguia exercendo a Medicina no seu consultório. Gostaria de contar um pouco sobre a minha passagem pelo seu laboratório, com muito saudosismo e um paradoxo estranho de tristeza pela perda com uma alegria enorme pelo privilégio de ter convivido com ele de maneira tão próxima e intensa.

Em 1996, eu entrava pela primeira vez no Laboratório de Gnotobiologia (ciência que trabalha com animais isentos de germes) e Nutrologia, Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG. Não tinha nem ideia do que era pesquisa científica, mas queria conhecer e, felizmente, não havia lugar melhor para o meu objetivo. Além dos animais livres de germes, existiam várias linhas de pesquisa voltadas para a nutrição e, sob a orientação da Prof. Jacqueline Izaura Alvarez Leite, trabalhei lá por 4 anos durante minha graduação. A iniciação científica me trouxe muito aprendizado técnico e, principalmente, várias habilidades não técnicas.

Ali, conheci o chefe do Laboratório, o Prof. Enio, no sentido literal da palavra, um Mestre verdadeiro. Uma das minhas grandes referências dentro e fora da Medicina. Os aprendizados eram puros e intensos em todos os contatos com o Mestre. Destaco aqui algumas das suas características:

- A marca registrada era a gentileza com todos; sem dúvida, essa é uma característica que tento levar comigo desde a época da graduação. Prof. Enio era um “gentleman”!

- A capacidade de liderar o laboratório com extrema leveza e assertividade, sendo respeitado por todos e conseguindo manter sempre um ambiente de trabalho excepcional.

- O gosto pelo bom vinho, pelas frutas brasileiras, pela boa música e pelo Botafogo.

- A humildade dos Mestres, sem perder a força das suas opiniões.

- “Se você morder um chocolate, irá de cabeça para o inferno!” - um dos ensinamentos mais clássicos do Mestre. Chocólatra inveterado, transmitia o prazer em degustar um pedacinho de chocolate com maestria. A terapia cognitivo comportamental para se alimentar adequadamente era sua marca registrada. Inclusive, durante suas consultas em consultório, onde a busca pela perda de peso era recorrente, o Mestre retirava um chocolate da Kopenhagen e, paradoxalmente, entregava ao cliente. Pacientemente, ensinava, literalmente, o paciente a degustar, sem morder, deixando o chocolate derreter e ocupar todas as papilas gustativas. Ensinava seus pacientes pelo exemplo!

Professor, tenha certeza que seus ensinamentos serão levados adiante, eternizando a verdadeira paixão pela Medicina, pelo ensino, pelas pessoas e pelos alimentos de verdade!