
Durante a faculdade, fiz 4 anos de teatro. Durante esse período, aprendi muita coisa que trago comigo até hoje. No início, comecei como contrarregra. O contrarregra é aquele que prepara a cena para os atores. Literalmente, carrega o piano. Naturalmente, é um papel mais humilde, mas não menos importante do que os outros no espetáculo. O contrarregra não aparece para o público, mas é indispensável para o bom andamento de uma peça de teatro. O diretor e os atores, teoricamente mais importantes, são fãs do bom contrarregra, pois é ele que facilita o trabalho e deixa a “casa arrumada” para o espetáculo.
Na formação médica, precisamos começar como contrarregra. Eu diria que em qualquer profissão. Assumir o trabalho chato (prescrições, evoluções, relatórios, cobrança de exames etc…) é um bom começo. Lembrando que é preciso fazer isso feliz. Entender que isto faz parte de um processo de formação, crescimento e aprendizado é o primeiro passo rumo à excelência. Justifico dando uma olhada na visão do “ator” principal, o médico mais experiente (seja seu R2, preceptor, colega mais experiente no plantão etc…). Um ótimo jeito de se fazer notar é ser útil, facilitar e organizar o trabalho, dito chato, mas indispensável. O mais experiente vai gostar de trabalhar com você, vai ser mais solícito e vai fazer questão de te ensinar (viés da reciprocidade). Ser escolhido por alguém mais experiente é um privilégio. Seja inteligente, seja contrarregra primeiro. A sua hora de ser o ator principal vai chegar com muito mais conhecimento, leveza e apoio dos mais experientes. Roer o osso é fundamental para conseguir comer o filé! Não queira e não “sente na janela” no início. Confie, isso vai fazer uma enorme diferença. A submissão necessária é parte fundamental no crescimento de qualquer profissional.
Coincidência ou não, no meu segundo ano de teatro, assumi a presidência do nosso grupo de teatro. Seguia longe de ser o ator principal, mas a responsabilidade aumentou bastante. Naquele momento, não era mais a responsabilidade de um quadro, mas do espetáculo inteiro. O reconhecimento dos mais experientes mostrava que a estratégia de assumir o que é ruim ou chato funciona! Assim foi na medicina também. Sempre tentei facilitar, ao máximo, o caminho daqueles que trabalham comigo, sempre! Seja dando notícias para todas as famílias do CTI, pois o colega não gostava; fazendo todas as prescrições do plantão, assim como evoluções… Eu queria fazer com que os outros gostassem de dar plantão comigo. O retorno sempre foi muito bacana! Tive a oportunidade de trabalhar com grandes mestres por longos períodos em plantões. Transformando um plantão em algo mais leve para o colega mais experiente, a chance de permanência por mais tempo aumenta bastante. O aprendizado paga com sobra a execução de algumas funções mais chatas.
Resumindo, seja contrarregra primeiro, seja muito bom naquilo que todos acham ruim. Saber fazer o trabalho ordinário bem e feliz pavimentam seu caminho de crescimento profissional. O destaque torna-se muito mais fácil e natural, já que existem poucos concorrendo ali!
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