Exaustos & Correndo & Dopados

Nenhum capitalista havia sonhado tanto. Alcançamos uma façanha inédita: ser senhor e escravo ao mesmo tempo... Ou melhor, alcançamos a paradoxal liberdade de podermos escolher ser escravos. Nos aprisionamos voluntariamente na meta de trabalhar 24X7. Vinte e quatro horas por sete dias da semana. Os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias. Estamos exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim "dopamos" esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. O "doping" cumpre a função de censurar os protestos do mundo interior – ou dos escombros que restam dele. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuarmos exaustos-e-correndo.

*adaptação do texto de Eliane Brum para o El País