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Foto do escritorBreno Gomes

Jan por Breno*

*publicado com anuência da família


Sexta feira, 14 de fevereiro de 2020, recebi em meu consultório um senhor de 80 anos, grisalho, alto, holandês, radicado no Brasil há 50 anos. Seminarista, veio ao Brasil para fundar o Colégio Padre Eustáquio, mas foi “fisgado” por Ana. Abandonou a ideia do celibato e entregou-se de corpo e alma, literalmente, ao amor. Casou e teve três filhas. A conversa expôs um senhor extremamente dedicado à família, querido por todos à sua volta. Na consulta, estavam ele, Ana, Márcia (uma de suas filhas e a única em BH) e Flávio (seu genro, casado com Fernanda e morando em SP), todos extremamente preocupados com ele.


Jan não reclamava e aceitava todas as condutas, não passivamente, mas confiante em nós, médicos. Escutava e seguia o que Ana e as filhas lhe pediam, não por submissão, mas por amor. Há 1 ano e alguns meses, vinha fazendo um tratamento para uma doença hereditária grave. Imunossupressores, perda de peso e, principalmente, de qualidade de vida.


No meio da consulta, ele me disse que já estava desanimado e entregando os pontos. Ana e Márcia começaram a chorar. Não estava vendo sentido na vida daquela maneira. Lembrei da sua procedência e, com um otimismo realista que faço questão de ter com todos os meus pacientes, disse a ele: “De jeito nenhum, ainda tenho que tomar umas Heinekens com o Sr.!” – para quem não entendeu, a Heineken é holandesa também! 

Naquele momento, o homem triste e cabisbaixo me olhou nos olhos, virou-se, olhou para a Ana (ela estava em uma cadeira atrás dele) e me perguntou: “Eu posso tomar uma Heineken?”. “Claro! Ainda mais se for com o seu médico!” – respondi. “Tem 1 ano e 36 dias que não tomo uma Heineken”. Na verdade, Jan sempre foi cervejeiro e, quando viajava para a Holanda para encontrar os irmãos, caprichava “de com força”. Frequentemente, tomava duas long-necks da cerveja da garrafa verde, mas, após o início do tratamento pesado, havia sido aconselhado a parar. 

Gostaria de lembrar que não critico, nem julgo, a conduta dos colegas, mas naquele momento e naquela situação, a cerveja, ainda mais que em doses mínimas, seria o menor dos problemas. Ah! E não suspendi as medicações do tratamento. Ao final da consulta, combinei com ele de tomar uma Heineken no buteco “dele”. Assim fizemos e ali nascia uma relação bem maior do que a de médico e paciente.


Sexta de Carnaval 2020


Em cada encontro, um aprendizado sobre família. Todos os anos, ele pedia o mesmo presente de aniversário: fotos atualizadas dos netos para colocar em frente à sua mesa de trabalho. Apenas isso ou melhor, tudo isso! A cumplicidade dele com Ana e suas meninas (Márcia, Ana Carolina e Fernanda) dava gosto de ver. Seus olhos brilhavam ao olhar para qualquer uma das suas 4 mulheres!


O ano de 2020 foi complicado pela pandemia, mas conseguimos, com muito esforço, manter o mínimo de qualidade de vida para ele. Apesar das dores, foi à praia, curtiu a família e tomou suas Heinekens. Em agosto, fiz uma receita para ele que foi emoldurada! Virou o seu xodó!


Minha Receita Emoldurada!


Na Sala, ao lado das fotos dos netos!

Pouco menos de um ano após a primeira consulta, fui visitá-lo em casa, dia 08 de fevereiro de 2021. Jan estava bem, seria apenas uma consulta de controle e para pôr a prosa em dia. Após muitas risadas, como sempre, me perguntou se era possível ficar em casa, caso piorasse. Ele não queria ir para o hospital. A doença era muito grave e, realmente, sem muita perspectiva de melhora. Combinamos de tentar mantê-lo em casa. O mais interessante desta visita é que ele estava bem e super tranquilo, mas, certamente, já percebendo algo diferente.


Exatos 3 dias depois, na quinta-feira, dia 11 de fevereiro, começou a apresentar uma piora importante do quadro. Assim como havíamos combinado, fizemos de tudo para mantê-lo em casa e conseguimos. Dia 25 de fevereiro, já mais debilitado, ainda recebi uma foto tradicional dele com sua Heineken! No dia primeiro de março de 2021, ele partiu, de forma serena, linda e do jeito que ele pediu, perto das suas 4 mulheres, na sua cama.

Após 20 anos de formado em Medicina, entendo perfeitamente o que meus melhores professores, incluindo o principal deles (meu pai) sempre fizeram: tornavam-se amigos dos seus pacientes. Uma consulta se torna uma boa conversa, uma fábrica de aprendizado. O tratamento torna-se único para aquele paciente. Na minha última visita, ele me perguntou: “Dentre todos os remédios que venho tomando ultimamente (e não eram poucos), qual você acha que é o mais eficiente?”. E aí? Vocês têm alguma dúvida da resposta? Uma dica: o remédio vem em frasco verde!

Em tempo, um agradecimento especial ao Auler, Gisela e Zanini que me ajudaram, de forma brilhante, a conduzir o caso do meu amigo Jan.


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