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Banho de Empatia

Atualizado: 27 de dez. de 2021



“Estava morrendo de frio, o ar condicionado ligado e eu ali deitado em uma cama do CTI, só com uma fralda e um cobertor esgarçado. Havia operado de “nó na tripa” há dois dias. Minha barriga quase explodiu. Ficara uma semana sem obrar e cheguei no hospital quase desfalecendo. O médico nem me olhou direito e já me levou direto para o bloco de operação. Disse que eu tinha septicemia e que se não me operasse eu morreria. Logo eu, que nunca tinha ido no médico. Graças a Deus e ao Dr. Cirurgião, me salvei. Após a cirurgia lá estava eu no CTI.

   

Já estava acordado e lúcido, mas não me deixaram ir para a enfermaria por causa de uma tal de acidose. Os médicos ainda precisavam me dar muito soro e acharam mais seguro me manter no CTI. Meu xixi, esmirrado e amarelão, saía por uma sonda que ardia demais. Dor até que eu não estava sentindo muito. O corte da cirurgia já estava bem sequinho.

     

De repente, entra a enfermeira… “Bom dia Sr. Xisto! Está na hora do banho!” Não sei de onde ela tirava aquela empolgação. Tubo na goela, sonda, dor, frio, barulho, nada disso me dá tanta agonia quanto a lembrança do tal banho de leito. Como não podia sair da cama, as enfermeiras me davam o banho lá mesmo. Quem já passou por essa desgraça sabe bem do que estou falando. Os que nunca tomaram o “banho de gato” do hospital, não queiram. Sem dúvida, a pior experiência que já passei. Aos 83 anos não pensei que tivesse que passar por aquilo. Tinha até escapado do famoso exame do dedão, mas daquele banho desmoralizante não teve jeito.

     

Primeiro tiravam minha roupa sem cerimônia nenhuma. Lá estava eu, pelado, com frio e completamente impotente diante das enfermeiras. Ainda mais eu, que só tinha ficado pelado na frente da minha esposa e, mesmo assim, na meia luz. Apesar da água esquentada, o frio era terrível. Elas conversavam sobre a novela, os filhos e até das paqueras enquanto lavavam minha poupança. Utilizavam uma compressa para limpar tudo, literalmente. Ali eu percebi o quão frágil eu era. Após o término eu já estava sofrendo com o possível banho no dia seguinte. Tomar um banho direito e sozinho era o que eu mais queria durante minha estadia no CTI. Tenho apenas um conselho para vocês, profissionais de saúde: nunca se esqueçam que ali existe um ser humano que pensa, morrendo de medo de morrer, ansioso, frágil e que sofre assim como você.”

     

O hospital é um local de trabalho como qualquer outro. A criação de um bom ambiente entre os profissionais vale também para as instituições de saúde. Trabalhamos com pessoas frágeis em momentos, muitas vezes, delicados. Muitas vezes esquecemos que estamos lidando com pessoas. Talvez para aliviarmos a tensão natural do ambiente hospitalar, brincamos uns com os outros, falamos alto e esquecemos que o nosso cliente está logo ali e, geralmente, muito sensível. Comer após ver uma ferida horrorosa, achar uma escara bonita, acostumar com os cheiros, tudo passa a ser normal.

     

Precisamos nos policiar dentro dos hospitais constantemente. Isso é função de todos os colaboradores juntos. O bom humor é muito bem vindo, a falta de empatia não. Colocar-se na situação do paciente ou dos familiares e identificar seus sentimentos caracterizam a empatia. Empatia é a característica mais importante de qualquer prestador de serviço. O melhor jeito de aprender é virar paciente. Pergunte para algum colega que precisou se internar um dia. Treine a empatia diariamente, ou então, tome um banho de leito! 


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Divagando em Saúde

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