
Há alguns anos, tenho notado as empresas aéreas tratando muito mal seus usuários. Zero respeito, zero transparência e muito desdém. Cancelamentos sem justificativa já fazem parte do pacote habitual das viagens aéreas. Mudanças de horários ao bel-prazer das companhias, pouco se importando com as necessidades dos clientes. Funcionários sendo colocados frente a frente aos usuários, sem preparo e sem poder para resolver os problemas, muitas vezes simples, mas estressantes. Malas extraviadas passaram a ser rotineiras (74,7% de aumento entre 2021 e 2022, segundo o 2023 Baggage IT Insights); hoje, na esteira, ficamos torcendo para as bagagens chegarem e, como consequência, os “AirTags” passaram a ser uma mania. Não era assim. Indenizações já passaram a fazer parte da folha de pagamentos das companhias, que, aparentemente, as enxergam como algo banal e, o pior, como algo normal. Uma boa parte das pessoas que viaja de avião já processou alguma companhia aérea.
Há 14 anos a aviação é uma das minhas inspirações favoritas quando o assunto é segurança em sistemas complexos. Adoro estudar e conhecer o setor. Utilizo como referência, inclusive no meu dia a dia, em relação à segurança dos pacientes, muito do que a aviação descobriu, desenvolveu e aplicou. O entendimento dos fatores humanos, essenciais em qualquer ambiente de alta complexidade, me fascina há anos e sigo estudando, me desenvolvendo e difundindo esse conhecimento, ainda escasso na saúde. Temos muito a aprender com a aviação! Entretanto, há alguns anos, percebi que a situação se inverteu: quem está copiando o outro é a aviação! A aviação vem tratando mal seus clientes, assim como rotineiramente ainda fazemos no setor saúde. Não me refiro ao contato direto do usuário com os profissionais de saúde, mas à péssima experiência do paciente na sua jornada no sistema. No SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo, o cliente acostumou-se a tolerar a péssima experiência por ser público (não gratuito, pois pagamos com nossos impostos pelo serviço). Deixe-me ser mais claro… O grande problema não é estar ruim, pois essa é uma etapa para se tornar melhor; o real problema é achar que o ruim é normal, aceitável. Consequentemente, não se busca a melhoria e, assim, a mediocridade só aumenta.
A aviação, que sempre prezou pela qualidade e segurança, vem pecando muito na qualidade ultimamente. Espero que isso não venha a respingar na segurança, já que ambas andam de mãos dadas. A saúde financeira é vital para qualquer negócio, mas a impressão externa é de que estão abrindo mão do básico para se viabilizarem; porém, o caminho deveria ser o inverso. Antevejo o momento em que a segurança perceptível dos clientes começará a se perder com a má qualidade dos serviços prestados como um todo. A espiral negativa poderá comprometer a segurança? Acredito, de verdade, que a segurança ainda prevaleça no setor, mas a impressão externa é de que ela pode ser corroída pela necessidade de sobrevivência financeira a todo custo, assim como já ocorre no setor de saúde. Confio na força e na inteligência do setor aéreo, por isso, este relato. Unicamente para alertar e provocar mudanças.
A saúde nunca se preocupou com o pós-venda, pois é um setor essencial. A saúde sempre terá usuários. A falta de clientes não é um problema. As viagens aéreas também se tornaram essenciais no mundo moderno. Caso ambas não enxerguem a importância da percepção de valor pelos usuários, definitivamente caminharão para uma qualidade cada vez pior. A viabilidade financeira é vital para qualquer setor. Será que uma das estratégias é tratar mal os usuários? Tenho convicção de que não é.
Na aviação, o usuário não quer lanche ou milhas (apesar de ser bom), quer previsibilidade, transparência e atenção, ou seja, o básico. Vender a todo custo e “empurrar” um serviço ruim vai contra todas as regras de crescimento saudável de qualquer negócio. O bom serviço é o que garante a viabilidade perene do negócio, a necessidade do usuário não pode ser a única força. A pergunta é sempre a mesma… estão tratando mal os clientes porque estão ganhando mal ou estão ganhando mal porque estão tratando mal os clientes? Acredito muito na segunda alternativa. Alguma semelhança com a saúde?
Felizmente, a tecnologia vem mantendo nossa percepção de segurança durante o voo, mas o cuidado com as pessoas segue sempre sendo a alma de qualquer negócio. Espero que apareçam empresas realmente preocupadas com os clientes e, certamente, elas serão viáveis, pois quando existe a percepção de valor, o cliente paga. E espero que as companhias já ativas revejam suas estratégias.
Como prestadores do serviço, não podemos jamais nos acostumar ou achar normal um serviço de baixa qualidade… jamais!
E você? Vem passando raiva com as companhias aéreas ou com os serviços de saúde? Comente aí!
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