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Certa feita, em um hospital universitário na Califórnia, EUA, o Dr. Fitzgerald pediu aos residentes que o levassem ao paciente com o caso “mais sem graça” do hospital. Prontamente, eles o levaram a uma idosa solitária, sem família, longa internação mantida apenas por motivos sociais. Não havia nenhuma doença interessante ou alteração significativa no exame clínico. Em suma, era uma paciente que não despertava o interesse de ninguém. Nenhum aluno ou residente visitava a senhora, já que ela não tinha nada relevante. O Mestre foi convicto da sua premissa: não existe paciente “sem graça”. Após uma breve anamnese, começou a ficar preocupado. A senhora realmente não tinha muita graça, além de ser monossilábica nas suas respostas. Quase desistindo, o Mestre puxou o seguinte diálogo:
- Há quanto tempo a senhora está em São Francisco?
- Anos e anos…
- De onde a senhora veio?
- Irlanda.
- Quando?
- 1912.
- Já esteve em um hospital antes?
- Uma vez.
- Como isso aconteceu?
- Quebrei o braço.
- Como a senhora quebrou o braço?
- Um baú caiu sobre ele.
- Um baú?
- Sim.
- Como isso aconteceu?
- O barco balançou.
- O barco?
- O barco que a estava trazendo a gente para a América.
- Por que o barco balançou?
- Ele bateu em um iceberg.
- Oh! Qual era o nome do barco?
- Titanic.
O Mestre acabara de descobrir que aquela senhora era uma das últimas sobreviventes vivas do Titanic! Nas semanas que se seguiram, inúmeros alunos, funcionários, professores e até jornalistas foram ao hospital para entrevistar a paciente, antes “sem graça” e agora celebridade…
Tem um sopro no 403…
Um fígado palpável no 301…
Uma erisipela no 309…
Uma icterícia no 506..
Tem um caso interessante no 521…
Quem nunca escutou ou pronunciou estas palavras no hospital? O aprendizado da Medicina não pode ser apenas um amontoado de alunos olhando um sinal ou uma alteração no exame clínico. Estive no zoológico recentemente e a semelhança me intrigou. Várias pessoas, sem o mínimo de interação com os animais, apenas observando os bichos, na teoria bem tratados, mas presos ali. Interagir não é apenas dar bom dia e pedir licença, e sim, escutar e se interessar de verdade pelo paciente. A curiosidade dos alunos e professores está minguando, precisamos cultivá-la novamente. A saciedade com o apenas observar é preocupante. Não desperdice o real potencial de aprendizado de um paciente em detrimento apenas da sua doença. Ensine ou aprenda a apreciar uma boa história e, principalmente, a magia da sua coleta. Eis o essencial e o verdadeiro diferencial na Medicina!
Não existe paciente desinteressante, existem médicos desinteressados. Não existe história chata, existe história mal contada ou mal colhida. Na semiologia, muitos alunos travam quando o paciente diz, na queixa principal: “Não estou sentindo nada, vim aqui para uma consulta preventiva.” Cada vez mais, venho me apaixonando pelas histórias dos meus pacientes. Muito mais pelas peculiaridades da pessoa do que pelas doenças em si. Sempre aprendo muito ao escutar. Meu desafio é conseguir demonstrar e ensinar isso aos meus alunos. A doença é uma parte pequena da história, apenas um parágrafo de um livro com centenas de páginas. Recomendo a você que busque ler o livro todo! A chance de entender e de se encantar pela história aumenta muito!
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Bibliografia:
On Being a Doctor - Ann Intern Med. 1999;130:70-72.
Faith T. Fitzgerald, MD - University of California, Davis, Medical Center
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