Acredito no Mestre que mostra a realidade nua e crua, mas prepara seu aluno para ela, sem desfazer o encanto. Ninguém tem o direito de destruir os sonhos dos outros com suas próprias frustrações. Ensinar Medicina é uma arte artesanal, jamais industrializada. O verdadeiro Mestre sempre existirá. O ensino atual da Medicina, na sua imensa maioria, consegue entregar isso aos seus alunos? Óbvio que não! Encontrar um culpado é o melhor jeito de achar que resolveu o problema, ledo engano. “Esta geração de hoje não quer nada com a dureza”, bradam os Professores de cá… “O ensino da Medicina não muda desde o século passado”, resmungam os alunos de lá… Ainda não perceberam que aprender é somar virtudes. A empolgação, a energia e a inocência devem casar com a temperança, a experiência e a paciência. O aprendizado nasce do esforço conjunto. A conversa madura, transparente e o interesse genuíno no ensino, devem prevalecer sempre para ambos os lados. Quando um quer aprender e outro ensinar, genuinamente, os dois aprendem! Sempre!
O abismo entre a formação técnica teórica e a prática de verdade é o principal obstáculo ao verdadeiro ensino da Medicina. Explico melhor… Na Medicina de verdade, os pacientes não lêem os livros para se adequarem aos sintomas e sinais da sua doença. A incerteza é uma constante. Gabaritar uma prova não garante a qualidade da assistência real no dia-a-dia. Quem dera se todos os casos viessem do jeito que estudamos nos livros, mas raramente o são. Além da doença, tem a pessoa. Geralmente, as queixas se apresentam misturadas e temperadas pela personalidade, cultura, sofrimentos e vivências de cada paciente. Nunca existirá um caso igual! Nossa formação teórica é essencial, mas nem sempre é suficiente. Ensinar a tratar doenças é superficial e perigoso, precisamos ensinar a tratar gente. Nestas circunstâncias, o que poderíamos fazer então?
Em tempos de facilitadores, trago uma visão diferente para reflexão. O Mestre real deve ser um “Falso Dificultador” do processo de aprendizado, segundo o mestre Professor Luiz Otávio Savassi Rocha, “O professor tem que ser um desequilibrador, que abala, mas sem derrubar.” O verdadeiro Mestre consegue estimular o desenvolvimento das habilidades necessárias para a “sobrevivência” do aluno fora da academia. A vida real não é um leitinho quente não. Além do conteúdo teórico, ensinar a ser forte e resiliente para enfrentar as dificuldades do mundo real. As simulações precisam criar situações para ajudar os alunos a desenvolverem suas ferramentas não técnicas essenciais, tais como, comunicação, empatia, humildade, trabalho em equipe, proatividade, inteligência emocional e atitude positiva. O aprendizado de qualquer uma destas soft skills exige um esforço bem maior que uma leitura de livro texto, exige o famoso “skin in the game” (a prática), além do tempo.
Seguindo nesta linha, o “Falso Dificultador” comprova que disciplinas “chatas” e sem sentido prático têm um papel fundamental de ensinar que nem tudo que faremos na vida será divertido, mas se for necessário, precisa ser feito. Sem resmungo, apenas faça. Um plantão noturno, durante anos, jamais será divertido, mas faz parte do crescimento e calejamento do bom profissional. O volume imenso de conteúdo na Medicina deve cultivar a humildade, pois ninguém jamais saberá a matéria toda. O professor chato representa seu futuro colega em um plantão, o qual, querendo ou não, deverá ser tratado com respeito para que o ambiente de trabalho, além da sua vida, não se torne um inferno. A frustração de uma nota perdida ou de uma reprovação em uma matéria deve ser encarada como um paciente que iremos, certamente, perder ao longo da nossa trajetória. As inúmeras intempéries durante a Faculdade de Medicina devem ser vividas como aprendizado. Não fez sua obrigação, já estabelecida previamente, assuma as consequências. O “Falso Dificultador” sabe que os alunos precisam criar calos para enfrentarem o mundo real sozinhos. Não existe aprendizado de verdade na zona de conforto. O objetivo do “Falso Dificultador” é ajudar o aluno a se tornar um bom médico e não apenas saber Medicina. O esforço, o sofrimento e as dificuldades são inerentes ao processo de aprendizado de qualquer habilidade humana. Crescer é desconfortável mesmo.
Um exemplo prático da minha criação de calos durante a graduação em Medicina: trabalhei no Laboratório do saudoso Prof. Enio Cardillo Vieira durante 4 anos. Desenvolvi várias habilidades não técnicas, indispensáveis a minha formação, que enxerguei apenas anos depois. Não era fácil ter que ir ao ICB (Instituto de Ciências Biológicas) todo final de semana para trocar gaiolas dos camundongos e colocar comida e água. Eu ia feliz pela oportunidade, mas também vivenciava a frustração pelas longas e exaustivas pesquisas com resultados completamente diferentes das expectativas. Aprendi que frustrações fazem parte da nossa trajetória. A entrega a um trabalho nada prazeroso, mas necessário, exige esforço mesmo. Não fiz nada mais que minha obrigação quando aceitei trabalhar no laboratório, simples assim. Sou eternamente grato. Aprendi muito, inclusive que não seria com pesquisa que eu iria trabalhar. Os aprendizados foram infinitamente superiores às minhas vontades fugazes de um jovem estudante de Medicina; esses aprendizados serão levados para toda a minha vida profissional. Submeter-se às regras demanda disciplina e paciência, características não tão presentes nos jovens, independente da sua geração. O “Falso Dificultador” ensina isso.
Isto posto, acho que deveríamos sim dificultar o aprendizado, mas sempre com estas genuínas segundas intenções. Os alunos precisam entender que as dificuldades moldam o bom profissional.
Alunos! Sugiro que enxerguem o “Falso Dificultador” de uma maneira diferente. Treinamento difícil, jogo fácil. Na imensa maioria das vezes, o objetivo de vocês dois é o mesmo: o aprendizado real da boa Medicina!
Vejo o crescimento do profissional exatamente desse jeito, mas depois de formado(a), o médico(a) deve criar seu próprio dificultador para nunca deixar de evoluir.
Medicina é dinâmica, cientistas estão sempre evoluções nas formas de tratamento. A informática e a robótica chegaram para qualificar muito os procefimentos cirúrgicos, por exemplo.
Outra forma de aprender mais é passar algum tempo, se possível, num lugar distante, naquelas comunidades bem distantes nos cafundós do país. Ir aonde a medicina moderna, os recursos que estão a mão nas cidades grandes não existem. Para aguçar a criatividade, e encontro de soluções de problemas. É como viajar ao passado, antes da descoberta do laser, e outras ferramentas não disponíveis nesses vilarejos distantes.
Seria uma forma do médico(a)…