A Medicalização dos Maus Hábitos
- Breno Gomes
- 30 de dez. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de jan. de 2023

Recentemente, recebi no consultório uma paciente jovem, pouco mais de 25 anos, queixando-se de tonturas, sensação de desmaio, dificuldade de se levantar pela manhã, sonolência diurna e falta de disposição. Ela estava recebendo quatro medicações psiquiátricas e neurológicas diferentes, objetivando estabilização do humor, melhora da depressão e do sono. Durante uma simples anamnese (simples na coleta, mas que demanda tempo e disposição para ser colhida adequadamente), alguns pontos relevantes: troca de emprego de 3 anos no mês passado, tomando um litro e meio de café por dia, sedentária, trabalhando, estudando, alimentando-se mal (processados, açúcar em excesso etc…), dormindo às 4 horas da manhã devido ao uso de celular e acordando às 8 horas com o despertador para ir trabalhar. Pois é… parece óbvio onde está o real problema, não é? Qual a chance desta mistura de maus hábitos, nadando em medicações psiquiátricas, dar certo? No dia-a-dia do consultório, me deparo, cada vez mais, com a medicalização excessiva de maus hábitos. Não sou contra medicações, isso precisa ficar muito claro, mas precisamos trabalhar os hábitos, independente do uso delas, com o objetivo de ajudar, efetivamente, nossos pacientes. Medicar sem trabalhar a mudança efetiva de hábitos, ou pelo menos deixar isso muito claro para os nossos pacientes, é contraproducente! É empurrar a sujeira para debaixo do tapete! Não é medicina! Não é cuidado real! Não vai ter resultado de longo prazo! O nosso estilo de vida pode ser o principal culpado pela maioria dos nossos sintomas e doenças, isto é fato! Nós, médicos, não estamos trabalhando isso da forma correta. Somos muito bons em tratar doenças agudas, mas no campo da prevenção ainda deixamos muito a desejar. A medicalização dos maus hábitos geralmente adiciona problemas (efeitos colaterais), ao invés de eliminá-los. O pior é que raramente um médico interfere na medicação prescrita por outro, logo, a farmácia domiciliar só cresce, junto com seus efeitos colaterais. Polifarmácia, sem mudança de hábitos, é igual a problema. Exames geralmente normais e pacientes se sentindo mal.
Em tempos imediatistas, onde a espera e o esforço precisam ser mínimos, os resultados, necessariamente, precisam ser alcançados de forma rápida e fácil. O paciente querendo um resultado imediato e o médico querendo liberar o paciente rapidamente, sem se aprofundar na sua história real, sem se envolver genuinamente. Eis uma mistura que não dá certo! Médicos imediatistas oferecem (e não raro, conseguem) resultados rápidos, porém, às custas de um risco enorme para seus pacientes e sem sustentação no médio e no longo prazo.
Um prato diferenciado, bem feito e saboroso, exige tempo, bons ingredientes e experiência para ser preparado. Um bom vinho exige tempo, dedicação e esforço para estar pronto. Um bom resultado no esporte exige treino, privações e tempo para ser alcançado. A sua saúde exige bons hábitos, esforço e constância.
“Não estou dormindo bem”: nada mais típico do século XXI do que um remedinho para dormir. Rápido, prático e que traz resultados aparentemente bons de curto prazo. Dormir uma noite inteira, como que por encanto! No longo prazo, dependência e risco de demência. Tomar remédio para dormir antes de reduzir (abolir) substâncias estimulantes (café e álcool), o tempo de exposição à tela azul (celular, tablets, computador e televisão), praticar exercícios físicos e mudanças comportamentais (terapia cognitivo-comportamental), é passar o carro na frente dos bois. É pintar uma parede mofada sem tratar a infiltração. É esconder a sujeira debaixo do tapete. É encher caixa d´água furada!
“Não consigo me concentrar”: estes pacientes geralmente recebem diagnósticos simplistas, medicações com resultados aparentemente bons, mas extremamente superficiais e questionáveis.
Antes de tomar remédio, tome juízo e mude seus hábitos. O processo é trabalhoso mesmo, exige dedicação e esforço. Mudar ou acrescentar um hábito é bem complexo e muito difícil, mas garanto que tem um impacto infinitamente superior a inúmeras medicações. No longo prazo, não existe opção melhor. Como sempre digo, bons hábitos não pagam à vista, mas são os melhores investimentos na sua saúde!
Ótimas colocações!!! Precisamos falar mais sobre isso!!!! A medicalização da vida, das emoções, dos afetos.
Ótimas colocações e, como batem forte prá mim, vejo muitas pessoas também com as questões pessoais mal resolvidas tentando se aliviarem ao máximo com remédios, hoje virou comum, mas não devemos afrouxar as rédeas, obrigado amigo pelas dicas,
Excelente texto, nossa sociedade está presa em um ciclo vicioso que privilegia o fugaz em detrimento do duradouro. Onde a soluções imediatas e superficiais são mais importante do que definitivas. O mesmo problema acontece nos relacionamentos pessoais e profissionais. Precisamos desacelera!!!
Fabrizio Batista